Imersão em um romance de verão

⚠️AVISO SPOILER: ME CHAME PELO SEU NOME⚠️ Contém descrição de cenas, menção ao enredo e ao final

Onde assistir: Telecine Play

A primeira vez que eu assisti esse filme foi em um avião, naquelas telas pequeninhas, usando fones de ouvido que não funcionavam muito bem, além de estar com muito sono. Não era o melhor cenário pra prestar atenção num filme, muito menos pra ter uma experiência imersiva. Quando se fala em “imersão” no cinema, a primeira coisa que me vem à cabeça são as salas de cinema super hi-tech, óculos 3D e um som de altíssima definição. Mas acredite, se um filme tiver o intuito de transportar o/a espectador/a pra um cenário, uma situação ou alguma emoção, ele vai fazer isso independente do equipamento que se tem à disposição. Me Chame pelo seu Nome (2017) acerta em cheio nessa missão e conseguiu me transportar para “algum lugar do norte da Itália, verão de 1983”, mesmo estando dentro de um avião.

A trama gira em torno de uma família multicultural de classe alta que hospeda o estudante norte-americano Oliver (Armie Hammer) como assistente acadêmico do professor Perlam durante a temporada de verão. Oliver logo chama a atenção de Elio (Timothée Chalamet), filho do professor, muito embora no começo da história ele se esforce pra não transparecer que se sente atraído. Aliás, o filme é centrado na perspectiva do próprio Elio e, por mais que não haja transcrição dos seus pensamentos em voz alta, é visível a luta que ele trava consigo mesmo para parecer indiferente aos seus sentimentos e aos outros (quem aí já não teve 17 anos meu povo?)

Sony Pictures

Assim, a estratégia do diretor Luca Guadagnino não foi focar a narrativa em diálogos internos, pelo contrário: ao dar atenção às expressões corporais, aos detalhes sonoros e à fluidez da paisagem, ele conduziu com sutileza as interações entre os personagens, cujos significados ficam bem subentendidos, tornando as suas emoções um pouco mais intensas sem ter que superexplicar o que tá acontecendo.

O roteiro ganhador do Oscar é adaptado do livro homônimo de André Aciman que, por sua vez, descreve com detalhes todos os pensamentos dúbios de Elio sobre seu primeiro amor na forma de um narrador onipresente, estratégia que funciona bem no formato literário. Uma adaptação pras telas que seguisse à risca essa narrativa poderia ser muito cansativa, então foi com acerto que Guadagnino optou por apresentar uma visão panorâmica da história, ao mesmo tempo que acompanha as impressões de Elio como narrador externo.

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O que muito contribui para a imersão do/a espectador/a no filme é a sonografia impecável, já que houve uma atenção especial em captar todos os sons daquela rotina lânguida de verão: os carros passando ao fundo de um diálogo, os grilos cantando alto à noite, portas batendo e rangendo, papeis sendo amassados, água correndo no rio… parece que tudo isso acontece bem pertinho do seu ouvido, por mais que você não esteja assistindo com fones de ouvido (por que choras ASMR?). Todos esses sons são sobrepostos à trilha sonora sensível de Sufjan Stevens, que compôs duas canções originais para o filme, “Mystery of Love” e “Visions of Gideon”.

A ambientação e o cuidado com a fotografia também merecem destaque como parte da experiência imersiva nesse filme. Há uma preocupação em, por um lado, transmitir sentimentos como introspecção e insegurança através de cenas com pouca luz e pouca ou quase nenhuma movimentação da câmera, e por outro, retratar os sentimentos positivos com movimentos ágeis da câmera e foco em paisagens iluminadas ao fundo de personagens filmados com tanta definição, que dá até a impressão de conseguir sentir o cheiro. Esse hiperrealismo influencia a imersão em cenas específicas também, como a icônica cena do pêssego.

É interessante também que a tensão sexual entre eles cresce na mesma medida em que história avança, dando essa sensação de naturalidade. Inclusive, o autor do livro sempre deixou claro que quis retratar um romance entre eles de forma leve e fluída, sem focar em outros temas mais recorrentes na ficção LGBTQ+, como a homofobia.

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O diretor do filme compartilha essa ideia, mas ele também se preocupou em fazer uma contextualização histórica. Nós nos sentimos tão acolhidos pela ambientação construída que é possível esquecer que a trama se passa em 1983, em uma Itália que ainda sofre as consequências da Segunda Guerra Mundial, ainda extremamente conservadora em relação à homossexualidade. Então, muito da resistência que os personagens têm em interagir (e isso fica explícito em algumas frases do Oliver e subentendido nas crises de identidade do Elio) se deve a esse contexto. Contudo, não dá pra atribuir os momentos de angústia do nosso protagonista somente à repressão externa: ele sofre por ser muito exigente consigo mesmo, por medo de ser rejeitado, e também por amar demais o seu primeiro amor, que inevitavelmente vai deixá-lo no fim do verão.

Aqui cabe exaltar um dos grandes pontos altos do filme, que é a conversa emocionante entre Elio e o pai, após Oliver ter ido embora. Apesar do conservadorismo da época, o filme quis destacar o poder de uma rede de apoio de família e amigos acolhedores pra construir a liberdade de se amar quem se quer, e da forma como se quer. A fala do pai é eloquente e teve bastante repercussão na internet por expressar exatamente essas ideias, tudo num tom de empatia e consolo. Esse monólogo transparece muito amor pelo filho e é também cheio de sensibilidade pra falar da efemeridade das emoções e da importância em valorizá-las.

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Apesar do filme durar pouca mais de duas horas, o tempo passa de maneira fluída tanto para nós quanto para os personagens, e é realmente um maneira bem gostosa de aproveitar a quarentena, aos que querem viajar sem sair do sofá, aos que querem mergulhar em boas emoções, eu recomendo ver e rever!

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