A ressignificação do medo em 2020

⚠️ALERTA SPOILER: MIDSOMMAR⚠️ contém descrição de cenas e menção ao enredo; não revelo o final

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É verdade que o terror moderno vem se transmutando nos últimos anos. Filmes como Corra (2017), Um Lugar Silencioso (2018) e A Bruxa (2015) inauguraram uma nova perspectiva sobre o medo a fim de acompanhar a atual geração, tão conectada, tão informada. O que antes era classificado como terror no início do século, hoje provavelmente não impressiona mais, o que não significa que os recursos de outrora estejam abandonados: o jumpscare, por exemplo, ainda é recorrente, mas por si só, é uma abordagem preguiçosa no gênero que se constrói e reconstrói rapidamente. Então, como o cinema pode realmente causar medo e perturbação nos milennials?

O diretor Ari Aster com certeza tentou provocar essas sensações no(a) espectador(a) que assistiu ao seu último longa Midsommar (2019). Responsável pelo igualmente perturbador Hereditário (2018), Aster é capaz de abordar questões que tocam sentimentos profundos das pessoas: o medo da solidão, do trauma, do desconhecido, causando verdadeira perturbação. Para isso, ele usa alguns recursos inusitados no gênero.

O prelúdio do filme já anuncia uma narrativa antológica, permeada de metalinguagem (preste atenção no tapetinho da primeira cena, um spoiler sobre a história). Existe também um quadro que é exibido de cabo a rabo no meio do filme, que revela um plano milenar conhecido como ~amarração do amor~ que vai acontecer mais adiante. E se você reparar, as paredes do local que eles dormem estão cheias de desenhos simbólicos que vão compor enredo. Um filme que dá spoiler sobre o próprio filme? É isso aí.

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Além disso, fora a primeira parte e momentos pontuais, todas as cenas são filmadas no claro, sem se valer do subterfúgio de cantos escondidos e cenários escuros, recursos tão recorrentes no terror. Aliás, Aster se destaca de forma promissora nesse aspecto: ele é bem honesto e transparente com o(a) espectador(a), pois ele mostra tudo que tá acontecendo, mas não de imediato…

O enredo do filme é o seguinte: depois de vivenciar uma tragédia familiar, a protagonista Dani (Florence Pugh, maravilhosa) se junta ao namorado e seus amigos para conhecer um festival tradicional na Suécia que homenageia o fenômeno do sol da meia-noite, em que aproveitam pra abusar de psicotrópicos e alucinógenos, potencializando as bizarrices. Na minha visão, o filme retrata a jornada de Dani ao ter que enfrentar sua psique e seus relacionamentos dentro de um contexto excêntrico de uma cultura diferente da dela (e da nossa: sofremos junto com a Dani).

Assim, é exatamente esse o ponto forte da direção: transformar a subjetividade do(a) telespectador(a) em uma das protagonistas da história. O que você percebe na fotografia, com o que você se assusta, o que te afeta na história e a forma como você projeta as próprias experiências nela, são o que compõe o terror do filme.

Na minha opinião, do início ao fim o filme faz uma analogia sobre o processo psíquico doloroso de superar um evento traumático e/ou o fim de um relacionamento (podendo ser também um evento traumático). A tragédia na vida de Dani como pretexto para impulsionar o terror, revela os muitos monstros que conversam com as inseguranças dela e, por consequência, também as do(a) espectador(a). Por exemplo, o primeiro momento que eu fiquei bastante impressionada foi no pesadelo em que ela vê os amigos do namorado e ele próprio pegando o carro e indo embora, deixando-a sozinha num lugar desconhecido e estranho, e que lhe causa desconforto, sendo em seguida engolida por uma nuvem preta de fumaça quando tenta gritar por eles. O medo da solidão, o receio de ser um estorvo e a absoluta falta de controle sobre uma situação, revelam o estado fragilizado da Dani… mas o quanto essas sensações dizem sobre os medos de quem assiste? Seriam esses os medos da última geração?

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Tecnicamente, o filme não deixa nenhuma ponta solta e combina bem em todos os aspectos (fotografia, trilha sonora, montagem), a ponto de te deixar imerso(a) nesse universo esquisito que parece real. Destaco a trilha sonora minimalista de cordas que descende e ascende dependendo da tensão da cena. Já a fotografia e a montagem, igualmente brilhantes em compor a tensão do filme, homenageiam grandes nomes do terror e do suspense, como Kubrick e Hitchcock.

Em meio a tantos recursos e elementos de ficção, mitologia nórdica e horror, me chamou atenção o foco nos momentos de clarividência de Dani sobre seu relacionamento com o namorado. Além da riqueza de referências que incrementam a experiência de se assistir Midsommar, o diretor a todo momento dá pistas sobre o que é essa história e sobre quais pontos nós devemos nos questionar. Esse filme de terror nada mais é do que intimista.

Pode-se dizer que tanto as droguinh*s que usaram, quanto a inserção numa realidade totalmente desconhecida fizeram vir à tona sentimentos reprimidos e fizeram emergir a verdadeira face de cada personagem. A cena final que representa a epítome da viagem psíquica de Dani, pode ser encarada como o ponto de recuperação sobre os seus traumas, de uma forma muito alucicracy e, talvez, fantasiosa (será que fazer aquilo que fez realmente representa a sua cura?), dentre muitas outras interpretações.

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Considerando que há diversos aspectos que podem ser levantados, o filme é indiscutivelmente uma experiência onírica perturbadora que vale cada segundo de atenção. Desde os detalhes até o essencial, tudo importa, e a própria definição do que são os detalhes e do que é o essencial no filme, dependerá da subjetividade de cada um que assistir.

E aí, qual foi a sua impressão do filme? Comenta aqui embaixo ou no insta! Muito obrigada por ler até aqui. (:

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